Vejam só!
Meio & Mensagem, sob o título “Potencial (Ainda) Inexplorado)”dá notícias da pujança econômica das favelas brasileiras, trabalho feito com base numa pesquisa (tracking) da organização “Nós – Novo Outdoor Social”. A matéria está assinada por Fernando Murad, que prometeu novos capítulos.
Os números apresentados pela matéria, de fato, indicam um “conglomerado” econômico pujante. O Brasil possui mais de 10 mil favelas, a maioria no Sudeste. Nelas há 6,5 milhões de residências ocupadas por 17 milhões de pessoas e 260 mil empresas com CNPJ. Gente que consome 167 bilhões de reais. A matéria não dá o período. Mas, certamente, é um valor anual.
Claro que essas são boas notícias sobre um tema sempre apresentado de forma negativa para a população, com o estigma de marginalidade e violência. O trabalho do “Nós – Novo Outdoor Social” é um esforço que se soma a outros tantos de pessoas que moram nas favelas e gritam para o mundo em volta: “estamos vivos, estudando, trabalhando, dando empregos e produzindo. Amamos viver”.
O Meio & Mensagem avisou que a matéria é a primeira de uma série sobre a economia nas favelas. Não está dito, mas é possível que a iniciativa tenha o G-20 como objetivo. O encontro acontecerá no Rio em novembro e dias antes abrirá espaço para o que chamam de G20 Social, algo que o Ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, com o estilo bem do Partido dos Trabalhadores, identificou como a oportunidade para o povo dar o seu recado para os “20 bacanas de paletó e gravata ou 20 mulheres bem vestidas, que tomam decisões para o mundo todo”.
Meu primeiro contato intelectual com as favelas se deu quando, numa visita à Biblioteca Nacional, em 1980, encontrei uma pesquisa publicada no Estadão, em abril de 1960, mês da inauguração de Brasília, com o título “Aspectos Humanos da Favela Carioca”. Obtive uma cópia, estimulado pelo tema e curioso sobre o motivo de um trabalho com mais de mil páginas ter sido financiado e divulgado por um jornal de São Paulo, referindo-se às favelas cariocas e ter sido coordenado por um padre francês, o economista Louis Joseph Lebret. Li e estudei todo o trabalho.
Existiam no Rio de Janeiro, na época, 16 favelas, Jacarezinho, Morro de São Carlos, Favela do Esqueleto, Barreira do Vasco, Favela Vila do Vintém, Parada de Lucas, Vila Proletária da Penha. Cordovil, Morro do Telégrafo, Morro do Bonsucesso, Morro da Providência, Favela do Escondidinho, Praia do Pinto. Rocinha, Parque Proletário da Gávea e Cantagalo. Hoje são quase 800. O Censo de 2010 do IBGE identificou 746.
Cinquenta anos após a publicação da pesquisa, um grupo de professores intelectuais organizou um “colóquio”, para reavivar a pesquisa. Isso em 2010, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Aconteceu em maio. Eu passei por lá. Na época, eu andava envolvido com a campanha do Peter Siemsen para a Presidência do Fluminense e isso prejudicou a minha vontade de assistir todas as palestras e apresentações. O evento ocorreu durante três dias.
Contudo, anos depois, fuçando o tema na Amazon, encontrei o livro “Favelas Cariocas ontem e hoje”, um compêndio sobre o encontro. O livro ofereceu um CD com a pesquisa de 1960 completa. O CD é algo impossível de usar hoje por falta de computadores que permitam. Eita evolução rápida. O livro é de 2012, tem 516 páginas. Nele, Licia do Prado Valladares, pioneira no estudo sobre as favelas cariocas, autoridade no tema, respondeu à minha dúvida sobre o fato de o Estadão ter financiado e divulgado a pesquisa em abril de 1960.
Escreveu ela:
“Convém agora explicar o paradoxo do financiamento de uma pesquisa sobre o Rio de Janeiro por um jornal de São Paulo. Discutir essa questão, aparentemente sem importância, vai nos ajudar a esclarecer os propósitos e o contexto político em que a pesquisa foi realizada.
Em primeiro lugar, voltemos ao contexto político geral. Na segunda metade dos anos 1950, a construção da nova capital, Brasília, mobilizou todos os setores da economia brasileira, todos os grupos e partidos políticos, a imprensa e os meios de comunicação. Juscelino Kubistchek, defensor das propostas desenvolvimentistas, era atacado pela UDN, partido das elites conservadoras, e pelo jornal O Estado de São Paulo. Este órgão de imprensa buscava desestabilizar Juscelino publicamente, atacando em especial a construção da nova capital, considerada desastrosa do ponto de vista econômico.
Os editoriais e os artigos defendiam a ideia de que seria preferível investir os milhões lutando contra a pobreza no Rio de Janeiro. De fato, a pobreza não parava de crescer, ameaçando cada dia mais os bairros ricos da capital, e há bastante tempo as favelas constituíam um importante tema do debate político. A realização de um grande estudo científico sobre as favelas seria, portanto, capaz de fornecer ao jornal Estado de São Paulo argumentos sólidos contra a política de descentralização do poder federal.” Em resumo: “Senhor Presidente, pare de gastar com a construção de Brasília e coloque dinheiro para acabar com a miséria no Rio de Janeiro”.
Para não tornar esse texto em um relato cansativo, encerro aqui, aproveitando o que está na abertura – as notícias sobre a economia pujante das favelas brasileiras – para sugerir a leitura do livro que me serviu de base para nossa conversa e de outro, esse da Lícia Valladares, “A invenção da favela. Do mito de origem a favela.com” que aborda os desafios para se compreender uma favela globalizada e conectada, composta de uma geração nova, que Lícia chama de “universitários da favela”. A obra da Lícia fala de bem perto com a matéria do Meio & Mensagem.
Pois bem, gente. Apesar de tudo o que fazem contra às pessoas que residem nas favelas e comunidades, lá tem gente que luta todos os dias para produzir e viver melhor. Se os governos entendessem que a felicidade completa está numa medida simples, seria tudo mais fácil. Basta que tirem as armas de lá.