Iniciativas de valorização do Rio surgem volta e meia, mas, em grande parte, acabam se desfazendo no ar. Quando muito, deixam vestígios em adesivos desbotados, colados em carros ou vitrines.
Nesse sentido, quando se fala desse Rio, afinal, de que Rio estamos falando? Não é uma resposta simples nem fácil. O Rio do imaginário não se limita aos seus limites políticos e geográficos. E, assim, é óbvio que nós, cariocas, enfrentamos um problema de identidade. Será que somos fluminenses, povo do rio, numa referência ao acidente geográfico que parecia nos caracterizar? Ou somos apenas cariocas, herdando nosso gentílico dos primeiros ocupantes deste pedaço de terra?
Limitando-me aos meus muitos anos de vida, nasci no Distrito Federal, fui cidadão do Estado da Guanabara e, depois, do Município do Rio de Janeiro, capital do Estado do Rio de Janeiro. Isso tudo, sem sair do lugar. Curiosamente, para complicar um pouco mais minha visão, sou geneticamente ligado ao mapa da cidade, fruto do que meus antepassados andaram aprontando por aqui! E tem mais. Se ampliarmos esse breve olhar histórico, veremos que a cidade, fundada como São Sebastião do Rio de Janeiro em 1565 por Estácio de Sá, tornou-se capital do Brasil em 1763, com a transferência para cá da capital antes localizada em Salvador. Em 1808, grande parte da corte portuguesa ocupou as terras da cidade com a chegada da Família Real, até que a capital foi transferida para Brasília, em 1960. E pensar que, nesse contexto, a cidade já havia sido a capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, projetando sua influência muito além do horizonte que os inocentes do Leblon enxergam, iluminado pelo farol da ilha, como nos ensinou o já saudoso poeta.
Aproveitando que ainda estamos olhando para trás, o que dizer da contribuição de todos os povos que aqui chegaram ou para cá foram trazidos? Nossa cultura, nossa língua, nossa música, nossa cor, nossa culinária, nossas gírias e costumes felizmente estão aí para nos ajudar a lembrar e reverenciar aqueles que vieram antes de nós e nos fizeram ser o que somos. É, não é mesmo fácil nos definir. Ainda bem. Somos tudo, menos óbvios. E nosso inconsciente coletivo, no caso dos cariocas, é resultado desse contexto complexo. Não dá para a gente querer se levar a sério mesmo. Ia dar muito trabalho!
Agora, diante dessa breve perspectiva histórica, vale nos perguntarmos: tivemos, de fato, uma verdadeira vocação econômica? Nossa história econômica é, sim, rica e multifacetada. Não me cabe, como engenheiro, elaborar uma análise técnica detalhada, mas, como morador da cidade, posso constatar que as transformações econômicas ocorridas no Brasil a partir da década de 1950 nos afetaram intensamente. Deixamos de ser capital do país, herdamos passivos, mas, felizmente, não perdemos tudo.
Mantivemos por aqui importantes instituições públicas de alcance nacional, empresas privadas e sociedades de economia mista. E, já há algum tempo, beneficiamo-nos da riqueza do óleo offshore e do pré-sal. Não dá para ficarmos parados num estado de saudosismo nostálgico, apenas reclamando de um passado de suposta glória sem olharmos para nossos reais ativos.
Para começar, e apesar do propalado êxodo de talentos e empresas, especialmente nos anos 1980, o Rio manteve instituições fundamentais para o mercado financeiro nacional. A sede da CVM, o escritório central do BNDES, a Previ, a Petrobras e a Petros são exemplos de organizações que continuam influentes e sediadas por aqui. O IBGE e o IPEA, embora não sejam instituições financeiras, são essenciais para a análise econômica e o planejamento de políticas públicas no Brasil, com sedes no Rio.
O Rio é também sede do IRB, Instituto de Resseguros do Brasil (atual IRB Brasil RE), que durante anos deteve o monopólio do resseguro no país e mantém atuação de grande relevância para o setor, mesmo após a abertura do mercado para resseguradoras globais. Além disso, estão localizadas no Rio a sede da SUSEP (Superintendência de Seguros Privados), autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda responsável pela regulação e fiscalização dos mercados de seguros e resseguros, e a CNSeg (Confederação Nacional das Seguradoras), que reúne representantes da indústria seguradora. Hoje, a SUSEP regula mais de 100 empresas de seguros, resseguros, previdência e capitalização, das quais uma parte significativa está sediada no Rio de Janeiro. Na saúde privada, não é diferente. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), agência reguladora vinculada ao Ministério da Saúde, responsável pelos planos de saúde no Brasil, está sediada no Rio, de onde supervisiona a operação de cerca de 900 operadoras de saúde suplementar em todo o país.
Voltando ao ponto inicial dessas considerações, me ocorre que ao pensarmos no nosso amor pela cidade, a pergunta que nos acompanha e vale repetir é: o que define a vocação econômica de uma cidade? Aparentemente, a teoria elenca vários fatores, como recursos naturais, localização geográfica, infraestrutura, mão de obra qualificada, história e cultura locais, além de políticas públicas. Já vimos que, no caso do Rio, seja a cidade ou o estado, nos conforta ver que muitos desses vetores estão presentes.
O estado abriga algumas das principais universidades do país, como a UFRJ, a FGV, o IMPA e a PUC-Rio, todos centros de excelência em pesquisa e educação. Além desses, o Rio também conta com importantes entidades de ensino e pesquisa em atuária, ciência fundamental para as atividades de seguros, resseguros e previdência, atividades que, como vimos, possuem expressiva representação na economia da cidade.
No que diz respeito ao mercado financeiro, é inevitável lembrar a quebra da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ). Esse foi um processo gradual, marcado pela competição com a Bovespa, que se consolidou como principal bolsa do país a partir dos anos 1970. A falta de modernização, a centralização das negociações em São Paulo e crises econômicas ao longo das décadas enfraqueceram a BVRJ, que encerrou suas operações em 2002.
O inchaço urbano das décadas de 1970 e 1980 nos afetou? Certamente. Não conseguimos desenvolver a infraestrutura necessária para atender à nova demanda, e, novamente, sem distinguir limites políticos e geográficos, nossa estrutura urbana ficou aquém da capacidade exigida. Isso, somado ao crescimento econômico errático do país, dificultou a implementação de soluções sustentáveis, gerando o cenário de desordem urbana e violência do qual falamos e nos queixamos todos os dias.
Em alguns aspectos, as perdas são mensuráveis. Em 1960, o estado do Rio de Janeiro era responsável por aproximadamente 17% do PIB do Brasil, refletindo sua relevância econômica à época. No entanto, de acordo com os dados mais recentes, essa participação diminuiu para cerca de 11% do PIB nacional (2021), evidenciando uma perda relativa de importância ao longo das décadas.
Em relação à população, o estado do Rio representava 9,2% da população total do Brasil em 1960 (inclui a Guanabara). Já nos dados mais recentes, essa participação caiu para cerca de 8,1%, refletindo mudanças demográficas e migratórias que ocorreram no país, com um crescimento mais acentuado em outras regiões.
Esses números mostram como a posição do Rio de Janeiro, tanto econômica quanto demograficamente, foi se alterando, mas não apagam a complexidade e a riqueza da nossa história e nosso enorme potencial de contribuição para a economia brasileira.
E talvez seja por isso que nós, cariocas, ao elevarmos nosso olhar, nos perguntemos, perplexos, diante da beleza de nossa geografia: o que aconteceu com nossa cidade? O que aconteceu com o Rio de Janeiro? Por que ainda não fomos capazes de dar espaço em nossa sociedade ao jovem trabalhador e empreendedor de sucesso que teve origem nas chamadas comunidades, muitas vezes olhado com preconceito pela tal, desculpem a franqueza, nobreza falida? Quem sabe se essa cisão entre o morro e o asfalto, se e quando devidamente resolvida, não possa dar lugar a um sólido impulso econômico? Quero concluir reafirmando que o Rio de Janeiro é mais do que uma cidade ou estado; é uma identidade complexa, carregada de história, cultura e potencial econômico. Nossa vocação, embora muitas vezes transformada pelas mudanças ao longo das décadas, permanece viva em instituições, empresas, universidades e no próprio espírito inovador dos cariocas. Para enfrentar nossos desafios, é necessário que possamos unir os diferentes Rios que coexistem, valorizando a diversidade que compõe a nossa força e criando oportunidades que incluam todos os segmentos da nossa população. Ao fazermos isso, estaremos pavimentando o caminho para um futuro em que o Rio de Janeiro não apenas relembre sua importância, mas reafirme seu papel como um dos centros pulsantes do Brasil.